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PALAVRA DO PÁROCO

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Jesus, Filho de Deus          

 

 

Os títulos atribuídos a Jesus pelas primeiras comunidades cristãs, muito mais do que especulações teóricas, são resultados de uma experiência vivida daquilo que significou o evento Jesus para elas. A fé dos primeiros cristãos vem decifrando deste modo o mistério de Jesus. A comunidade descobriu que com a vinda de Jesus estabelece-se uma relação totalmente nova com Deus.

O apóstolo Paulo desenvolve uma teologia da salvação organizando ao redor dela os demais temas de suas cartas e compreendendo-os a partir dela. Para o apóstolo a salvação deve ser lida, positivamente, em termos de elevação dos seres humanos à condição de filhos adotivos por meio dos atos de redenção. Considerando este aspecto salvífico não hesitamos em afirmar que o real objeto da salvação operada em e por Jesus Cristo é o acesso dos seres humanos à filiação divina, os termos de redenção, libertação, reconciliação estão subordinados à compreensão deste. A redenção pela morte e ressurreição de Jesus é compreendida em função da libertação daquilo que nos impedia de sermos filhos de Deus e ascendêssemos à glória. Era necessário que fossemos libertos da escravidão para receber a herança reservada aos filhos. Desse modo a obra de Cristo não se reduz ao aspecto negativo da salvação, a saber, a libertação redentora, mas conduz a realidade da glória de filhos e de herdeiros à qual fomos chamados (cf. Rm 8, 17). Jesus é aquele que veio cumprir a antiga promessa de Deus de fazer de nós filhos. Foi necessário reconciliar desfazendo o que nos tinha afastado de nossa herança de filhos.

A entrada na vida, a participação na liberdade e na glória de Jesus Cristo pertencem também à finalidade da redenção e a nova condição experimentada pelos cristãos. A imensa dignidade do ser humano consiste desse modo na participação, como filho, da glória de Deus e não no desejo estranho e alienante de ser como deuses. O ser humano se realiza vivendo como filho de Deus, sua natureza humana é recomposta e o homem descobre sua identidade perante Deus. A glória é reservada para aqueles que herdaram esta filiação, como bem atesta Paulo (cf. Rm 8,21).

Logo, o título Filho de Deus atribuído a Jesus é consequência de uma reflexão sobre a salvação. Reflexão cristológica desde o momento que se tomou a experiência filial dos cristãos. O título não atravessa desse modo as especulações grávidas de conceitos helenísticos, ele expressa uma experiência própria e especificamente cristã.

O título dado a Jesus tem seu início deste modo na experiência da filiação divina herdada pelos seres humanos. O apóstolo Paulo coloca na origem dessa experiência o fato de Jesus ser o Filho de Deus que nos torna filhos. Ele proclama em suas cartas a Boa-Nova dessa filiação.

O mistério profundo de Jesus é manifestado em e por nosso acesso à filiação. Em Jesus, Filho de Deus, encontra-se um poder de tornar filhos. A salvação reside em uma relação pessoal, Deus nos enviou a própria comunicação de sua pessoa em alguém que é seu próprio filho. A divindade de Jesus é descoberta na experiência de nossa filiação divina, uma vez que se Jesus nos traz essa adoção é porque nele habita toda plenitude de Deus, Ele que é o primogênito leva seus irmãos à filiação divina. Trazendo-nos esta adoção compreendemos que Deus enviou seu filho para tornar-nos filhos.

Devemos lembrar-nos que o título Filho de Deus assume uma nova compreensão diferente da atribuição de honra e majestade dado a imperadores por meio dele. Em Jesus o título se compreende na morte escandalosa deste, no rebaixamento fiel da sua condição divina. A verdadeira manifestação da divindade de Jesus se dá na cruz.

Antes de ser uma experiência de filiação aquilo que é vivenciado pelos cristãos refere-se a uma experiência de libertação ou liberdade. A tirania da lei, do pecado e da morte não devem mais ser temida pelo homem que foi libertado destas por intermédio de sua filiação em Cristo que o conduz a liberdade. Com certeza a experiência de liberdade da qual se refere Paulo toca na profundidade da relação com Deus vivida de forma diferente e totalmente nova, não mais tendo como mediação a observância exata de prescrições da Lei para se chegar e agradar a Deus. Compreende-se então que a experiência de libertação em seu sentido mais profundo refere-se à relação filial para com Deus feita na filiação divina de Jesus. Tal experiência revela nossa filiação.

Esta experiência é compreendida em termos de liberdade espiritual diante de Deus atestada e comunicada pelo próprio Espírito de Deus. Na experiência espiritual de liberdade confessamos Jesus, Filho de Deus. É a própria liberdade de Deus que nos é concedida, é como um dom realizado pela filiação divina de Jesus e comunicado pelo Espírito (Gl 4,4-6; 5,1. 13).

Lembremos que a descoberta de Deus por parte dos cristãos deriva da experiência desconcertante de ter reconhecido Jesus como verdadeiro Filho de Deus quando se encontrava na cruz (cf. Mc 15,39) desafiando toda a linha helenística composta dos títulos de glória. Confessamos Jesus Filho de Deus, graças ao serviço que Ele nos prestou revelando-nos aquilo que Deus fez em relação a nós elevando nossa condição humana. Dessa experiência descobre-se o sentido da divindade de Jesus ao considerar a Kénosis divina. É na kénosis que descobrimos a verdade da natureza divina, divindade que se despoja assumindo nossa natureza tornando-a capaz de Deus.

O reconhecimento de nossa filiação provoca a confissão cristológica salvaguardada pela formulação dogmática sempre interpelada pela vivacidade da experiência de libertação em Jesus, Filho de Deus que nos dá acesso a um relacionamento livre com Deus de uma forma totalmente nova.